domingo, 30 de novembro de 2008

Ortega y Gasset nos acuda

E quero crer que, ao falar de “medianos insatisfeitos”, afaste de nós o risco do “homem-massa” de Ortega y Gasset. Não é pouca coisa. Aliás, é um elogio e tanto, a nós – a mim e ao “hipócrita leitor, meu igual, meu irmão” (Baudelaire). (Quem sabe assim eu atraia alguma simpatia.) Os medianos insatisfeitos estaríamos em algum ponto entre o "homem seleto" e o "homem vulgar". E aqui está minha contribuição ao trabalho de Gasset.

*
Pois bem, aqui vou de Ortega y Gasset, citado por Reinaldo Azevedo em seu blog, em outubro de 2006 (palavras de Reinaldo em itálico, Gasset em negrito; ainda não descobri como usar as cores):

Aos civilizados, deixo um trecho do capítulo 7 de A Rebelião das Massas, chamado “Vida Nobre e Vida Vulgar ou Esforço e Inércia”.

(...)
O homem que analisamos habitua-se a não apelar de si mesmo a nenhuma instância fora dele. Está satisfeito tal como é. Ingenuamente, sem necessidade de ser vão, como a coisa mais natural do mundo, tenderá a afirmar e considerar bom tudo quanto em si acha; opiniões, apetites, preferências ou gostos. Por que não, se, segundo vemos, nada nem ninguém o força a compreender que ele é um homem de segunda classe, limitadíssimo, incapaz de criar nem conservar a organização mesma que dá à sua vida essa amplitude e esse contentamento, nos quais baseia tal afirmação de sua pessoa?

Nunca o homem-massa teria apelado a nada fora dele se a circunstância não lhe houvesse forçado violentamente a isso. Como agora a circunstância não o obriga, o eterno homem-massa, conseqüente com sua índole, deixa de apelar e sente-se soberano de sua vida. Contrariamente, o homem seleto ou excelente está constituído por uma íntima necessidade de apelar de si mesmo a uma norma além dele, superior a ele, a cujo serviço livremente se põe. Lembre-se de que, no início, distinguíamos o homem excelente do homem vulgar dizendo: que aquele é o que exige muito de si mesmo, e este, o que não exige nada, apenas contenta-se com o que é e está encantado consigo mesmo. Contra o que sói crer-se, é a criatura de seleção, e não a massa, quem vive em essencial servidão. Sua vida não lhe apraz se não a faz consistir em serviço a algo transcendente. Por isso não estima a necessidade de servir como uma opressão. Quando esta, por infelicidade, lhe falta, sente desassossego e inventa novas normas mais difíceis, mais exigentes, que a oprimam. Isto é a vida como disciplina – a vida nobre –. A nobreza define-se pela exigência, pelas obrigações, não pelos direitos. Noblesse oblige. “Viver a gosto é de plebeu: o nobre aspira a ordenação e a lei” (Goethe).

Os privilégios da nobreza não são originariamente concessões ou favores, mas, pelo contrário, são conquistas, e, em princípio, supõe sua conservação que o privilegiado seria capaz de reconquistá-las em todo instante, se fosse necessário e alguém se lho disputasse. Os direitos privados ou privilégios não são, pois, posse passiva e simples gozo, mas representam o perfil onde chega o esforço da pessoa. Contrariamente, os direitos comuns, como são os “do homem e do cidadão”, são propriedade passiva, puro usufruto e benefício, tão generoso do destino com que todo homem se encontra, e que não corresponde a esforço algum, como não seja o respirar e evitar a demência. Eu diria, pois, que o direito impessoal se tem e o pessoal se mantém."

São palavras de pura iluminação. Que sentido farão hoje em dia? De novo, não dou a menor pelota pra isso.

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial