domingo, 30 de novembro de 2008

Ótima notícia

O segundo número da revista semestral Dicta & Contradicta já está prontinho e à venda, no site da Livraria Cultura. O lançamento será dia 8, em São Paulo. Abaixo, vai o convite.

A Dicta é editada pelo Instituto de Formação e Educação (IFE). O primeiro volume saiu em junho deste ano. Para saber mais sobre a obra e o espírito que lhe dá alento, ver o site "institucional" - onde há um "sobre a revista" -, a entrevista do presidente do IFE sobre a Dicta e o editorial da primeira edição.

Pedro Sette Câmara, um dos autores do site O Indivíduo e colunista da revista, escreveu sobre ela à época de sua estréia:

a principal virtude da D&C é ter sido escrita para os leitores - e sem subestimá-los. Acho que uma das atitudes mais abjetas perpetuamente em voga no Brasil é sempre supor que “o público” é composto de idiotas para quem tudo deve ser diluído e piorado, o que não passa de uma máscara de elitismo condescendente para a preguiça ou incapacidade de escrever qualquer coisa com clareza. Por isso, se eu tivesse que destacar uma virtude da D&C, ela está em os textos serem densos sem ser “acadêmicos”, agradáveis de ler e interessantes (e espero que isso se aplique também ao que eu escrevi). Creio que o projeto não tem paralelo em nosso idioma, e é inspirado na New Criterion.


O homem comum

Lembrei-me também da difinição de "homem comum" dada por Ludwig von Mises, o economista autríaco. Achei-a em uma nota de rodapé ao livro "Como vencer um debate sem precisar ter razão", de Schopenhauer. A nota é de Olavo de Carvalho, que é também o tradutor (editora Topbooks). Vamos à nota (palavras de Olavo em itálico, Mises em negrito):

Uma boa definição de “homem comum” está em Ludwig von Mises, "A Ação Humana. Um Tratado de Economia", trad. Donal Stewart Jr., Rio, Instituto Liberal, 2ª ed., 1995, p. 49:

“O homem comum não especula sobre os grandes problemas. Ampara-se na autoridade de outras pessoas, comporta-se ‘como um sujeito decente deve comportar-se’, como um cordeiro no rebanho. É precisamente esta inércia intelectual que caracteriza um homem como um homem comum. Entretanto, apesar disso, o homem comum efetivamente escolhe. Prefere adotar padrões tradicionais ou padrões adotados por outras pessoas porque está convencido de que esse procedimento é o mais adequado para atingir o seu próprio bem-estar. E está apto a mudar sua ideologia e, consequentemente, o seu modo de ação, sempre que estiver convencido de que a mudança servirá melhor a seus interesses.”

Essa definição destaca dois traços: a passividade intelectual e a sujeição das idéias à comodidade pessoal ou à busca do conforto psicológico. Quando se dá ao jovem a ilusão de que ao aderir às modas e crenças de sua geração ele está se libertando e se individualizando, em vez de adverti-lo de que o faz por inércia e por busca de segurança psicológica, o resultado que se obtém é incutir nele o mais perverso dos conformismos. O homem não se liberta do “espírito de rebanho”, de que falava Nietzsche, simplesmente por passar de um rebanho mais velho a um mais novo.

Ortega y Gasset nos acuda

E quero crer que, ao falar de “medianos insatisfeitos”, afaste de nós o risco do “homem-massa” de Ortega y Gasset. Não é pouca coisa. Aliás, é um elogio e tanto, a nós – a mim e ao “hipócrita leitor, meu igual, meu irmão” (Baudelaire). (Quem sabe assim eu atraia alguma simpatia.) Os medianos insatisfeitos estaríamos em algum ponto entre o "homem seleto" e o "homem vulgar". E aqui está minha contribuição ao trabalho de Gasset.

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Pois bem, aqui vou de Ortega y Gasset, citado por Reinaldo Azevedo em seu blog, em outubro de 2006 (palavras de Reinaldo em itálico, Gasset em negrito; ainda não descobri como usar as cores):

Aos civilizados, deixo um trecho do capítulo 7 de A Rebelião das Massas, chamado “Vida Nobre e Vida Vulgar ou Esforço e Inércia”.

(...)
O homem que analisamos habitua-se a não apelar de si mesmo a nenhuma instância fora dele. Está satisfeito tal como é. Ingenuamente, sem necessidade de ser vão, como a coisa mais natural do mundo, tenderá a afirmar e considerar bom tudo quanto em si acha; opiniões, apetites, preferências ou gostos. Por que não, se, segundo vemos, nada nem ninguém o força a compreender que ele é um homem de segunda classe, limitadíssimo, incapaz de criar nem conservar a organização mesma que dá à sua vida essa amplitude e esse contentamento, nos quais baseia tal afirmação de sua pessoa?

Nunca o homem-massa teria apelado a nada fora dele se a circunstância não lhe houvesse forçado violentamente a isso. Como agora a circunstância não o obriga, o eterno homem-massa, conseqüente com sua índole, deixa de apelar e sente-se soberano de sua vida. Contrariamente, o homem seleto ou excelente está constituído por uma íntima necessidade de apelar de si mesmo a uma norma além dele, superior a ele, a cujo serviço livremente se põe. Lembre-se de que, no início, distinguíamos o homem excelente do homem vulgar dizendo: que aquele é o que exige muito de si mesmo, e este, o que não exige nada, apenas contenta-se com o que é e está encantado consigo mesmo. Contra o que sói crer-se, é a criatura de seleção, e não a massa, quem vive em essencial servidão. Sua vida não lhe apraz se não a faz consistir em serviço a algo transcendente. Por isso não estima a necessidade de servir como uma opressão. Quando esta, por infelicidade, lhe falta, sente desassossego e inventa novas normas mais difíceis, mais exigentes, que a oprimam. Isto é a vida como disciplina – a vida nobre –. A nobreza define-se pela exigência, pelas obrigações, não pelos direitos. Noblesse oblige. “Viver a gosto é de plebeu: o nobre aspira a ordenação e a lei” (Goethe).

Os privilégios da nobreza não são originariamente concessões ou favores, mas, pelo contrário, são conquistas, e, em princípio, supõe sua conservação que o privilegiado seria capaz de reconquistá-las em todo instante, se fosse necessário e alguém se lho disputasse. Os direitos privados ou privilégios não são, pois, posse passiva e simples gozo, mas representam o perfil onde chega o esforço da pessoa. Contrariamente, os direitos comuns, como são os “do homem e do cidadão”, são propriedade passiva, puro usufruto e benefício, tão generoso do destino com que todo homem se encontra, e que não corresponde a esforço algum, como não seja o respirar e evitar a demência. Eu diria, pois, que o direito impessoal se tem e o pessoal se mantém."

São palavras de pura iluminação. Que sentido farão hoje em dia? De novo, não dou a menor pelota pra isso.

Medianos inconformados

À maneira de Antonio Fernando Borges, faço esse blog “não com qualquer sentimento de novidade, mas de liberdade.” Mas, claro, Borges é desses que dão à palavra liberdade um brilho de coisa viva e palpável. Já eu me contento – mentira: estou sempre insatisfeito – em trazer, escondido no bolso das calças, um pouco do que ela tem de formal e bem-intencionada; ela sempre me chega com um bolor de chavão. Ainda, no caso de Borges, a blogosfera ganhou (em julho de 2007) um baita reforço; é o caso de alguém absolutamente acima da média. Já eu sou mais um. E só foi depois de me assumir, humildemente – desconfiem... –, como mais um, que tive a plácida sanha de criar esse blog. Aqui, as pessoas medianas e insatisfeitas encontram um igual, um parceiro de medianias e insatisfações. Medíocres inconformados, uni-vos! Mas não passem muito tempo sem visitar blogs como o de Borges e o de Sette Câmara et al. (O Indivíduo). Nem sem ler Fernando Pessoa – suportemos heroicamente a humilhação, é para o nosso bem. Afinal, sempre fica a esperança de um dia “agregar valor” – nossa mãe! – e não ser mais mediano, não.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

O porquê do nome (ou “tornando o monstro mais sociável”) e uma não-dedicatória

Em uma aula de 1997 – transcrita e publicada em seu site –, Olavo de Carvalho fala sobre o "romance de formação" (Bildungsroman), louvável espécie literária cujo protótipo seria Os Anos de Aprendizagem de Wilhelm Meister (1796), de Goethe. Eis o trecho:

“gênero tipicamente alemão [o romance de formação, por supuesto], que tem como conclusão a formação da personalidade humana, onde o indivíduo, através de seus erros, se transforma num homem de verdade. Um exemplo é Os Anos de Aprendizagem de Wilhelm Meister; Herman Hesse também fez isso em O Lobo da Estepe e em Demian. São romances cuja única conclusão é o crescimento humano em direção à maturidade. Mas esse crescimento é sempre uma diminuição, é sempre o indivíduo voltando à terra, depois de haver sonhado alguma maluquice e viajado por um céu de mentira. É uma apologia caracteristicamente germânica do ‘pão-pão, queijo-queijo’ como valor supremo da existência. A idéia, portanto, é de que o sentido da existência está colocado na própria existência: ela tem sentido em si mesma, e não num outro mundo colocado acima deste (...).” (negrito meu)

O autor deste blog dificilmente se tornará um “homem de verdade”, tampouco “tipicamente alemão”. Talvez nem sequer um indivíduo. Mas ele promete tentar, e o blog vai junto. Aqui escreverei sobre o que (me) interesse: literatura, cinema etc. e tal. (Nada de “meu querido diário”.) Também pretendo publicar textos de colaboradores. Willkommen!

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O VOLTANDO À TERRA teve um versão anterior, mantida em parceria com Rafhael Barbosa, amicíssimo - superlativo à la José Dias (vide Dom Casmurro). É ao Rafhael que eu dedicaria este blog – se fosse dedicá-lo a alguém. Mas o pouparei dessa contra-homenagem.

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Pronto. Agora foi.